terça-feira, 18 de setembro de 2018

praça da saudade


praça da saudade 

na pálida luz de uma lembrança amena
no silêncio de um poema de Anisio Melo
me lembro da praça da saudade e nela
tua imagem sob o caramanchão
não há uma saudade ali inscrita
mas uma espécie de sonho, de passado
de águas de uma chuva fina
de sombras de uma festa 

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

casa abandonada


casa abandonada 

as janelas estavam assassinadas
assistiam a tudo
ao mar, às aves, à montanha
nunca mais fechadas
fecundas de vento
arrebatadas de sol
batidas pelo firmamento
e as janelas nunca mais se fecharam
porque não havia ninguém mais lá dentro
porque os poros da casa se abriram
às verdejantes trepadeiras
que cobriam todo passado 

havia uma igreja no alto

havia uma igreja no alto


havia uma igreja no alto
de lá se descortinava
o grande mar o asfalto
por onde a estrada passava
ficava o mundo em pedaços
a praça os recomeços
as cartas de teu regresso
ficavam nas pedras os passos
a esquiva glória de amar
os pedaços de si mesmo
o meio a linha os traços
o espetáculo no espaço
a glória curta no ar
havia uma igreja no alto
e o plano do grande mar

ROGEL SAMUEL

balada para todo amor

balada para todo amor


rogel samuel


todo amor é assim, plágio
cópia de cópia de si, no mesmo
sim na sua visibilidade
no seu sexo. Porque todo amor
é aquela alegre repetição
doença de sonho e de tensão
acontecimento que tanto faz
se desfaz. De que não posso
dizer o que quero, ou o que vale
nem mesmo vale a pena
[O amor, seu troco.]
O caro, o espaço, o caroço
o que sobra o que falta e o falho.
Todo amor falece. Não cresce.
Não é o que se espera.
Dele nada sobra. Além do gozo.
Da calma, da cama, do colo
da palavra: só as notas altas
o cantam. As baladas mais.
A exultação mais plena.
Pois todo amor é outra vez
o mesmo amor. É sempre. É pouco.
E só se estabelece quando
impossivelmente fala a falta
do tolo amor, que já é lembrança
excessiva. Que todo amor costura
um tédio. E tem a surpresa da morte.
Somos suas presas em suas levezas.
Corre o fundo tempo por seus lodos
mostra a sua sede à noite morta.
Quem me crê sabe o que digo:
o amor já vem perdido, pois perder-se
é o destino amante. Dele vem logo
o mote o trote o corte a espada
que o amor tem em seus dentes
pois sua loucura é o nada. 



sete dias serão

sete dias serão


Sete dias serão, Manaus, ó sete amadas,
Por que se integre à terra este cantor.
Ó monstruosas noites desamparadas
De mim se aparte a porta dessa dor.
O espelho dágua ostenta a aranha alada
Que me arrasta o interno aeroplano,
Tresloucada vespa, cristalizada
Inoculando o inferno do engano.
Mas chega de canção, Amor, que neste canto
As finas rimas dessa ladainha
Escondem teus morenos ombros de arpejos.
Ó franca zona! Do Teatro o manto!
Por sete dias tua canção é minha
Na invenção literária dos teus beijos.

ROGEL SAMUEL

Não posso reter os teus traços

Não posso reter os teus traços



Não posso reter os teus traços
Nem as notas de teu tema
Pois tua música se esquece
Como as vozes do poema
Da paixão, que mais um traço
Foi do azul de minha pena,
E quando te vir já será garço
O repique da tua cena
e o afastado abraço...
(oriunda onda a que cerca de aço
me levarão tuas algemas?)

ROGEL SAMUEL

terça-feira, 1 de maio de 2018

DIA DO TRABALHO


DIA DO TRABALHO

Para que serves
A quem serves
Ao fazer? Somos
O que consomes
Ao escrever? Lemos
O que nos chega pela
Janela.
Dia
Muitos dias
Muitos trabalhos
Muito cansaço
Dia do trabalho
O que faço?

ROGEL SAMUEL

segunda-feira, 26 de março de 2018

noite de sedas, noites de segredos

noite de sedas, noites de segredos





noite de sedas, noites de segredos
noite de cartas, de telefonemas
de amplos laços esgarçados
noite de fogos, de revelações
soube trazer na noite os mesmos passos
soube fazer naquela mesma taça
velha taça de prata familiar
o sonho o resumo o aparecer na planície
entre o branco das sedas e o azul deserto
quando a praia se abre em grandes constelações
em grandes flores-palácio
e escrito está na glória das belezas
o teu sorriso claro das estrelas plenas
noite de sedas, noite de surpresas 

domingo, 25 de março de 2018

pássaro


pássaro 

meus dedos de aço
passam na plumagem
luminoso pássaro
imerso na paisagem
em minha cor e casa
e ponho-o no meu lago
um pincel usado
pinço-o com cuidado
ramagem extraordinária
forma de uma flor
ou como um piano
como um belo plano
bebo seu licor
e forço a sua entrada
dou-lhe vida e cor